Acho que, em parte, devemos
também ao cristianismo o fato de hoje o mundo parecer menos desumano, sádico
e violento do que no passado.
Por dois mil anos, milhões de
crentes tentaram de todas as maneiras testemunhar a palavra de paz e amor que
Jesus pregava. Viam-se crentes nas cabeceiras dos doentes, recolhendo órfãos
pelas ruas, curando os feridos depois das batalhas e saques.
Havia cristãos, como São
Francisco, que davam casa e conforto aos que eram devorados pela lepra e comida
a quem morria de fome. E muitos como ele atravessaram as linhas de frente das
batalhas para promover a paz entre os exércitos. Existiam muitos fiéis que
socorriam os sobreviventes das inundações, dos terremotos, das fomes. Havia
ainda cristãos que tentavam impor um limite à brutalidade contra os escravos e
servos da gleba oprimidos pelos possessores. Existiram cristãos que se
expuseram abertamente a fim de obter a graça para um inocente condenado sem
provas, apenas por fanatismo religioso.
Viram-se sacerdotes que
construíram comunidades de índios e morreram com eles quando os conquistadores
católicos decidiram que se agrupar em comunidades igualitárias e não pagar
impostos constituía um crime contra Deus e a Coroa. Existiram sacerdotes que
fundaram cooperativas e escolas para trabalhadores, que organizaram caixas de
assistência mútua e ajudaram judeus e ciganos perseguidos a fugir... Mas essas
pessoas, que por dois milênios contribuíram enormemente para melhorar a
condição humana e civil dos mais fracos, raramente faziam parte dos vértices da
Igreja.
Como aconteceu com todas as
religiões do mundo que se tornaram "cultos do Estado", os centros de
poder das principais igrejas cristãs foram conquistados por indivíduos
inescrupulosos e maliciosos, dispostos a usar a fé e o misticismo com o único
objetivo de obter riqueza e autoridade.
É claro que não se pode
generalizar: existiram homens religiosos com grandes incumbências na esfera
eclesiástica, que agiram com justiça e notável honestidade, e que sobretudo
eram partidários — colocando em risco até mesmo a própria vida — do direito à
dignidade e à sobrevivência dos pobres, golpeando, com palavras e atos
concretos, "os ricos bem nutridos e poderosos, inimigos de Cristo e dos
homens" (de uma homilia de Santo Ambrósio). Mas também é verdade que, por
séculos, os papas continuaram vendendo os cargos religiosos a quem oferecia
mais, e para ser ordenado bispo bastava pagar, não era necessário nem ser
padre. Por dinheiro, Júlio II consagrou cardeal um rapazinho de 16 anos. Assim,
no final das contas, muitos enganadores conseguiram até chegar a ser eleitos
papas e macularam suas vidas com crimes horrendos.
O papa Woityla pediu perdão a
Deus pelos pecados cometidos no passado por aqueles que representavam a ou
pertenciam à Igreja. Mas, por maior que seja a lista dos atos nefastos
cometidos, não podemos pretender que ela seja exaustiva.
Então, demo-nos o trabalho de
reunir o maior número de documentos que produzam uma idéia menos vaga do
"pecado" que maculou a Igreja. Ao realizar esta pesquisa,
deparamo-nos com um quadro de traços chocantes, povoado com um número
inacreditável de episódios por vezes grotescos, mas sempre trágicos.
As histórias que contaremos não
se encontram em todos os livros. Ao contrário, os textos que narram esses fatos
(salvo raras exceções) foram colocados no limbo por especialistas.
Mas por que embarcamos em tal
aventura? Decerto, não por um anticlericalismo doentio. Hoje, até mesmo no
clero inaugurou-se um debate muito fértil sobre a pesquisa histórica do
percurso das religiões. Em toda parte, nascem grupos de fiéis que tentam pôr em
prática a palavra de Jesus e constroem solidariedade, liberdade, paz, superando
obstáculos que ainda se interpõem à criação de um mundo onde a vida anterior à
morte também seja digna de ser vivida. Mas, para que essa renovação seja
profícua, é indispensável mergulhar profundamente no clima histórico, político
e religioso que determinou o sacrifício de tantos mártires, vítimas da parte
corrupta e autoritária do clero, muitas vezes com o auxílio dos grupos no
poder.
Aquela consciência e aquela
cultura, capazes de impedir que tais horrores se repitam, só podem ser
construídas por meio da análise e do discernimento da natureza e gravidade dos
abusos.
Este livro é dedicado a todos os
cristãos e aos homens de boa vontade das outras crenças. Também é dedicado aos
ateus, que, exatamente por não acreditarem, têm a obrigação moral de possuir um
profundo senso religioso da vida.
Jesus
amava as mulheres
Jesus pregava o amor, a
fraternidade e a piedade em uma época em que esses sentimentos muitas vezes
eram considerados infames sinais de fraqueza. Os Evangelhos nos contam que,
dentre seus mais estimados seguidores, na primeira fila estavam as mulheres. Os
evangelistas também narram como Jesus desprezava a riqueza e condenava
veementemente aqueles que tentavam fazer da fé uma mercadoria.
Esta filosofia rapidamente
colocou os cristãos contra a cultura e os poderosos da época, e as perseguições
logo começaram. Mas apenas três séculos após a crucificação do Messias, o
cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, o que significa
que nenhum súdito podia professar outra crença, sob pena de cruel perseguição
e, muitas vezes, o patíbulo.
Como é possível que o mesmo
Império que crucificara Jesus tenha decidido que o cristianismo seria a
religião do Estado apenas trezentos anos depois? É um salto abissal.
Para entender isso, é preciso
analisar algumas características do Império Romano.
A escola encheu nossas cabeças
de histórias sobre generais geniais e legisladores brilhantes. Mas Roma também
era outra coisa. As mulheres eram consideradas animais de propriedade dos pais
e maridos, que tinham o direito de bater nelas e matá-las. Uma mulher romana
digna era aquela que, assediada por um malfeitor, tirava a própria vida. Não
tanto para salvar a própria honra, mas para glorificar a do marido.
As crianças, na escola,
conheciam bem o chicote e os professores tinham exemplares de várias formas e
tamanhos pendurados na sala de aula.
Como acontece ainda hoje em
alguns lugares do planeta, em Roma, também, os bebês recém-nascidos do sexo
feminino muitas vezes eram sufocados ou abandonados. As recém-nascidas
abandonadas com mais sorte, muitas vezes, eram pegas por vendedores de
escravos, que as criavam e, aos 5 ou 6 anos, começavam a prostituí-las.
Júlio César não pode, no
entanto, ser considerado o inventor do extermínio em massa — antes dele,
conhecemos outros matadores extraordinários (hititas, assírios, babilônios) —,
mas o divino Júlio com certeza pode ser eleito o aperfeiçoador emérito do
genocídio organizado. Em De Bello Gallico, explica como organizou e
lançou a horda de bandidos gauleses e germânicos contra o povo eburone, culpado
de não querer se sujeitar ao Império, oferecendo aos criminosos asilo e
proteção em seus acampamentos fortificados. O futuro imperador depois narra,
com certo prazer, como conseguiu aplicar toda espécie de infâmias, traições e
armadilhas, até eliminar definitivamente da face da Terra a raça dos eburones.1
Foi o primeiro comandante a matar todos os habitantes de uma cidade, incluindo
crianças, para puni-los por ter resistido2 (Moisés, pelo menos, depois de
conquistar a cidade de Madian, poupou as mulheres virgens).3
Por séculos, os romanos se
divertiram vendo prisioneiros de guerra lutando entre si nos circos. Em um
único mês, o imperador Diocleciano fez quarenta mil homens se matarem no
Coliseu, mais de mil por dia, enquanto uma multidão exaltada bebia vinho
misturado com mel e chumbo, fumava ópio, fazia negócios e copulava com
prostitutas e prostitutos, na maioria pré-adolescentes. A quantidade de sangue
e de órgãos esquartejados não os incomodava e em parte era coberta pelo fedor
de vômito, já que os romanos, para continuar se enchendo de comida e bebida,
tinham o hábito de enfiar dois dedos na garganta para vomitar o que acabavam de
ingerir.
O cristianismo fora maltratado
cruelmente e sofria havia mais de um século as perseguições do poder imperial.
Os cristãos eram arrastados até as arenas, onde eram massacrados entre os
gritos e as risadas de uma multidão de apaixonados pelo genocídio lúdico.
Então, de repente, os perseguidores se tornam paladinos da Igreja. Teologia,
rituais, interpretações do Evangelho são cuidadosamente transformados e
adaptados à linguagem e ao pensamento do poder romano. O cristianismo não
redime quem havia martirizado os primeiros cristãos, e sim se limita a servir a
eles.
As histórias sobre as conversões
dos imperadores quase sempre são feitos colossais. Constantino é aquele que
adota o cristianismo como religião oficial do Império. O mesmo imperador que
mandou matar o próprio filho, a mulher, o sogro e o cunhado. Reza a lenda que
Jesus apareceu para ele e lhe prometeu vitória na batalha em troca da adoção do
cristianismo como única religião do "mundo civilizado" e do uso do
símbolo da cruz, alçado de forma triunfante na batalha. Naturalmente, nem todos
os seguidores de Jesus concordaram com esse pacto, que implicava uma verdadeira
renúncia aos valores cristãos fundamentais. E, então, um dos primeiros gestos
cristãos de Constantino foi perseguir todos os cristãos que seguiam o Evangelho
literalmente e, assim, forçosamente, estavam em conflito com os devotos do
poder. Um sem-número deles foi morto, outros tantos acabaram no exílio,
desprovidos de qualquer bem, outros foram reduzidos à escravidão.
continua
o texto acima é parte do início do livro intitulado "o livro negro do cristianismo"
Este livro é inteiramente dedicado a mostrar desde o início do chamado cristianismo romano, de como os verdadeiros cristãos foram perseguidos por não concordarem com a fé de Roma.